quarta-feira, 18 de abril de 2012

O POETA, UM LIVRO E O AMOR



O AUTOR BETO VIANNA, À DIREITA DE THIAGO DE MELLO


Ontem o projeto Terças Poéticas promoveu o lançamento do livro 'Quarenta poemas de outono inverno e um canto para Ariel', de Beto Vianna, no Palácio das Artes, que comportou também uma homenagem a Pablo Neruda. O poeta amazonense Thiago de Mello, grande amigo que foi de Neruda, esteve presente e fez uma emocionante intervenção, além de também declamar. Conversei com ele após o evento e lhe perguntei sobre a distância que existe hoje entre o seu poema "Estatuto do homem" e a estrutura do ser, a vida das pessoas.

O poeta me pareceu muito decepcionado com muito do que tem ocorrido, com o distanciamento entre as pessoas, o desrespeito existente, inclusive nas relações políticas. Em sua interveñção, no palco, este sentimento também ficou manifesto. Todo o evento foi belo e tocante, sua participação, emocionante como sempre. Do muito que disse, não poderia me esquecer de algo: "O grande inimigo do amor não é o ódio, é o egoísmo!". Nem do brilho final de sua intervenção: "Amanheço cada vez mais pleno e poderoso pela juventude, porque eu vivo pela mudança!" E viva Thiago de Mello!!! A seguir, o "Estatuto do homem":


ESTATUTO DO HOMEM


(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony


Artigo I


Fica decretado que agora vale a verdade.

agora vale a vida,

e de mãos dadas,

marcharemos todos pela vida verdadeira.



Artigo II


Fica decretado que todos os dias da semana,

inclusive as terças-feiras mais cinzentas,

têm direito a converter-se em manhãs de domingo.



Artigo III


Fica decretado que, a partir deste instante,

haverá girassóis em todas as janelas,

que os girassóis terão direito

a abrir-se dentro da sombra;

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,

abertas para o verde onde cresce a esperança.



Artigo IV


Fica decretado que o homem

não precisará nunca mais

duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem

como a palmeira confia no vento,

como o vento confia no ar,

como o ar confia no campo azul do céu.



Parágrafo único:



O homem, confiará no homem

como um menino confia em outro menino.



Artigo V


Fica decretado que os homens

estão livres do jugo da mentira.

Nunca mais será preciso usar

a couraça do silêncio

nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa

com seu olhar limpo

porque a verdade passará a ser servida

antes da sobremesa.



Artigo VI


Fica estabelecida, durante dez séculos,

a prática sonhada pelo profeta Isaías,

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.


Artigo VII


Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo.



Artigo VIII


Fica decretado que a maior dor

sempre foi e será sempre

não poder dar-se amor a quem se ama

e saber que é a água

que dá à planta o milagre da flor.



Artigo IX


Fica permitido que o pão de cada dia

tenha no homem o sinal de seu suor.

Mas que sobretudo tenha

sempre o quente sabor da ternura.



Artigo X


Fica permitido a qualquer pessoa,

qualquer hora da vida,

o uso do traje branco.



Artigo XI


Fica decretado, por definição,

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo,

muito mais belo que a estrela da manhã.



Artigo XII


Decreta-se que nada será obrigado

nem proibido,

tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela.



Parágrafo único:


Só uma coisa fica proibida:

amar sem amor.



Artigo XIII


Fica decretado que o dinheiro

não poderá nunca mais comprar

o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo,

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal

para defender o direito de cantar

e a festa do dia que chegou.



Artigo Final.


Fica proibido o uso da palavra liberdade,

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo ou um rio,

e a sua morada será sempre

o coração do homem.



Thiago de Mello

Santiago do Chile, abril de 1964

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