No plenário JK, ao receber a placa (Foto ALMG - Lia Priscila)
Lula recebeu ontem o título de cidadão honorário mineiro, concedido pela Assembléia Legislativa, através de projeto apresentado pelo deputado Rogério Correia (PT). Uma homenagem muito pra lá de merecida, e até em atraso, penso eu. Em seu discurso, lembrou acertadamente: "Se eu tenho tanto respeito e carinho por Minas e - permitam-me dizer - se os mineiros tem tanto carinho e respeito por mim, é porque entre nós criou-se uma profunda identidade, é porque acreditamos nos mesmos valores éticos e políticos, temos a mesma visão humanista da existência, o mesmo compromisso de vida com a dignidade e a justiça."
Como não poderia deixar de fazer, resgatou rapidamente a história do movimento sindical mineiro, evocando a greve dos metalúrgicos de Contagem em 1968 e os movimentos do final da década de 70, como a greve dos metalúrgicos de João Monlevade em 1978, a dos professores em 79 e a dos operários da construção civil também em 1979, quando 50 mil deles marcharam pelas ruas centrais de Belo Horizonte e um deles foi morto com um tiro pela polícia da ditadura, Oracílio Martins Gonçalves.
Lembrou ainda que esteve aqui na época e participou de assembléia com eles no ex-campo do Atlético, na avenida Olegário Maciel. Falou de sua forte ligação com Minas: "Digo a vocês com toda sinceridade que mesmo antes de receber este título tão importante eu já me sentia em casa em Minas, já me sentia em família. Eu já me sentia mineiro de alma e coração".
Na chegada à Assembléia: saudado também pelos grevistas servidores da Justiça mineira(Foto ALMG - Guilherme Dardanhan)
Centenas de pessoas receberam o ex-presidente e acompanharam o evento, dentro e fora da Assembléia. O presidente do legislativo, Diniz Pinheiro (PSDB, destacou a importância do homenageado:
“Lula foi o primeiro operário eleito para a Presidência da República e agora é nosso conterrâneo. Ele é personagem da grande virada democrática que teve vez na América do Sul, fruto de muitas lutas que sacrificaram toda uma nova geração política. Nesse mesmo contexto, Dilma Rousseff foi a primeira mulher eleita presidente do País”
Depois Lula se dirigiu para o Minascentro, onde ocorreu, com a presença da presidenta Dilma, o terceiro seminário comemorativo dos 10 anos dos governos comandados pelo PT, onde ele, em seu discurso, lembrou que o silêncio é a marca de ditaduras e não das democracias: "A democracia não é um pacto de silêncio".
A presidenta Dilma discursando no Minascentro
Lula, no Minascentro
Público presente no Minascentro
Jovens na manhã do último sábado, no centro: na luta por um mundo melhor
Sobreviventes indígenas brasileiros (no caso, Pataxos, de Coroa Vermelha, Bahia): vendendo artesanato na feira de domingo, na Avenida Afonso Pena
Lula foi homenageado no plenário Juscelino Kubitschek, ex-presidente de raízes ciganas. O Dia Nacional dos Ciganos foi instituído por Lula em 25 de maio de 2006, e é comemorado no 24 de maio. LEIA AQUI matéria do blog sobre ciganos em Minas e no Brasil.
E leia também o post 'Para perder o medo de ser feliz' , contendo matéria feita por este blogueiro em novembro de 2002, em Garanhuns e Caetés, quando Lula visitou 'suas cidades natais' pela primeira vez após ter sido eleito presidente:
No evento na Assembléia Lula proferiu um discurso oficial, lido, além de sua intervenção espontânea, é claro. Aqui o link de sua fala. E abaixo, o seu discurso oficial:
"Amigas e amigos,
Eu quero contar a vocês uma história. Em julho de 1979, eu vim a Minas para atender ao chamado dos trabalhadores da construção civil, que haviam deflagrado o movimento conhecido como “greve dos pedreiros”. Uma greve, na verdade, organizada pelos próprios trabalhadores, sem o apoio da direção do seu sindicato, e que pegou de surpresa a população e as autoridades.
Meses antes já haviam acontecido em Minas duas outras importantes paralisações: a dos metalúrgicos de João Monlevade e a dos professores da rede pública. Desde a famosa greve de Contagem, em 1968, não se viam em Minas assembleias, passeatas e manifestações de rua tão massivas quanto as que foram realizadas por estas categorias.
Tal como em São Bernardo do Campo, as assembleias dos pedreiros de Belo Horizonte lotavam um estádio de futebol – no caso, as arquibancadas e o gramado do antigo campo do Atlético, bem perto daqui. E, da mesma forma que em São Bernardo e outras cidades, também foram duramente reprimidas.
No dia 30 de julho de 1979, milhares de trabalhadores reuniram-se na Praça da Estação e subiram em passeata para participar da assembleia. Quando já estavam próximos ao estádio, a polícia interveio com violência: cerca de 60 pessoas ficaram feridas, outras 100 foram presas e o operário Oracílio Martins Gonçalves foi morto com um tiro, no meio da rua cercada pelos policiais. Oracílio tinha 24 anos, era casado e pai de um filho recém-nascido. A tragédia fez com que o Tribunal Regional do Trabalho, numa decisão corajosa, considerasse a greve legal e determinasse o reajuste salarial e o pagamento dos dias parados.
Para mim, do ponto de vista existencial e político, aquele chamado dos trabalhadores de Belo Horizonte foi muito marcante, pois eu não conhecia pessoalmente ninguém do movimento. Me chamaram e me receberam como um irmão de classe. Aliás, no apoio aos pedreiros, estive lado a lado com as principais líderes do novo sindicalismo mineiro: os companheiros Dídimo de Paiva, Arlindo Ramos, João Paulo Pires, Wagner Benevides e Luiz Dulci.
Naquele momento, o que acontecia no ABC paulista, em Minas e em outros pontos do país demonstrava que o movimento dos trabalhadores havia adquirido uma nova dimensão histórica. Não era só a oposição à ditadura que assumia um caráter popular, e a percepção de que o monopólio da política pelas elites tinha se rompido. Tudo isso era muito importante, mas havia algo ainda mais significativo:
o fato de que o avanço do movimento dos trabalhadores já não dependia tanto de conquistas materiais imediatas. A compreensão de que derrotas e vitórias faziam parte de um aprendizado coletivo, cuja finalidade, além da resistência econômica, era a auto-afirmação cultural, social e política dos trabalhadores e do conjunto das classes populares.
Compreensão que iria se traduzir, mais adiante, na fundação do PT, na criação da CUT, nas campanhas das diretas-já e da constituinte soberana, e em tantas outras mobilizações que transformariam profundamente a face do país.
Comecei lembrando a “greve dos pedreiros” para dizer a vocês que a minha relação com Minas Gerais já nasceu na luta, em torno de causas libertárias do estado e do país. Surgiu no combate ao autoritarismo e se consolidou nas grandes batalhas pela redemocratização. Mas não parou aí. Desdobrou-se em um vigoroso projeto de mudança social e emancipação de nosso povo, que sairia vitorioso das urnas em 2002, inaugurando uma nova época na vida brasileira, de desenvolvimento e oportunidades para todos. Ao longo desse processo, a contribuição de Minas sempre foi fundamental.
Desde aquela época, foram inúmeras as ocasiões em que voltei a Minas, seja para apoiar as legítimas reinvindicações dos homens e mulheres desse estado, seja para pedir – e obter – o generoso apoio do povo mineiro à construção de um novo Brasil. Nossa relação foi tecida ao longo de mais de 35 anos de intenso convívio.
Se eu tenho tanto respeito e carinho por Minas e – permitam-me dizer – se os mineiros tem tanto respeito e carinho por mim, é porque entre nós criou-se uma profunda identidade, é porque acreditamos nos mesmos valores éticos e políticos, temos a mesma visão humanista da existência, o mesmo compromisso de vida com a dignidade e a justiça.
Não existe uma única região de Minas que eu não tenha visitado e, mais do que isso, que eu não tenha percorrido e conhecido diretamente, sempre em diálogo com os pobres, com os trabalhadores urbanos e rurais, com os intelectuais e artistas, com as pastorais, com os empresários e as lideranças políticas.
Quando me refiro ao Norte de Minas, ao Sul, ao Triângulo, ao Vale do Paranaíba, à Região Metropolitana, ao Rio Doce, ao Vale do Jequitinhonha, ao Oeste, à Zona da Mata, ao Vale do Aço e a qualquer outro rincão de Minas, não estou falando apenas de nomes e classificações geográficas. Falo de terras, de ambientes, de comunidades, de gente de carne e osso – e alma – que tive a alegria de conhecer nas minhas andanças pelas várias Minas e pelos tantos Gerais que integram esse inconfundível e fascinante estado.
Tomo a liberdade de homenagear a cada uma e a todas as regiões de Minas manifestando o meu afeto pelo nosso querido Vale do Jequitinhonha. Muitas vezes estive no Vale, e outras voltarei, se Deus quiser.
Em 1995, fizemos no Jequitinhonha uma extraordinária caravana da cidadania, que se deteve em 11 cidades, de Diamantina a Almenara, ouvindo e conversando com a população, conhecendo de perto as suas carências e anseios, e debatendo com ela as soluções para os seus problemas. Ali descobri pessoas incríveis, que nunca mais saíram da minha mente e do meu coração, como, por exemplo, o Bispo de Araçuaí, Dom Enzo, o trabalhador rural Vicente Nica e a nossa pequena grande Cacá.
No Vale, a fisionomia de Minas à vezes é seca, dura. Tem cicatrizes deixadas pela miséria e a fome. Com frequência, as mãos e as caras são ásperas, refletindo a injustiça e o sofrimento secular. Mas aquele povo também possui uma beleza delicada e altiva, uma força impressionante para enfrentar as adversidades. É um povo carente, mas insubmisso, que não se rende à prepotência, à desigualdade, à exclusão. Não aceita ser embrutecido.
E o melhor exemplo disso é a esplêndida arte do Jequitinhonha, – a sua música, por exemplo – que transfigura, com enorme talento, o sofrimento em esperança, a carência em abundância compartilhada.
Não tratarei aqui da história rebelde de Minas e do seu insubstituível papel na construção da nacionalidade. Nem da riquíssima cultura mineira, de seus poetas e romancistas, de seus pintores, escultores, artesãos, músicos, cineastas, atores, de seus pensadores e cientistas, dessa inigualável mescla de razão e sentimento que Minas oferece permanentemente ao Brasil. Não vou lembrar as delícias da culinária mineira, para não ficar com água na boca.
Nem citarei as grandes equipes do futebol mineiro, – o Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes, o Atlético de Cerezo e Reinaldo – que encantaram plateias de Minas, do Brasil e do mundo. Da mesma forma, não vou listar os grandes líderes políticos que Minas já deu ao país, a exemplo de nossa querida Presidenta Dilma, cuja presença nessa solenidade me honra e enternece , e também do nosso inesquecível José Alencar.
Só por ter me dado um parceiro magnífico como José Alencar, eu já teria que ser eternamente grato a Minas. E por nos ter presenteado com esta mulher capaz, eficiente e justa, que hoje lidera com tanto êxito os destinos do nosso país, o Brasil inteiro tem que ser eternamente grato a Minas.
Recordo com emoção de alguns companheiros e companheiras que já não estão fisicamente entre nós – o seu exemplo, sim – e que dedicaram o melhor da sua inteligência, sensibilidade e energia à vitória do nosso projeto coletivo e à causa da libertação social. Militantes e seres humanos admiráveis, despojados, fraternos. Penso por exemplo, em Hélio Pellegrino, Betinho e Henfil. Em Helena Greco e Célio de Castro. Em Joaquim de Oliveira e Milton Freitas. No Saudoso Dazinho.
Assumindo a Presidência da República, em 2003, pudemos retribuir ao povo mineiro todo esse apoio e carinho. Orgulho-me de ter valorizado fortemente essa terra e a sua gente. Nesse período, o volume de recursos aplicados em Minas Gerais foi excepcional. Os investimentos produtivos, as obras de infraestrutura e os programas sociais que o governo federal realizou em Minas contribuíram – e muito – para tornar mais digna a vida dos mineiros.
E o meu orgulho é maior ainda quando vejo que a Presidenta Dilma está fazendo por Minas ainda mais e melhor.
Não é o caso de fazer aqui o inventário completo de tudo o que o governo federal fez, na última década, pelo desenvolvimento econômico e social deste estado. O povo de Minas, mais do que ninguém, sabe como e porque a sua vida melhorou.
Por tudo isso, o título de Cidadão Mineiro com que vocês hoje me distinguem é uma grande honra. Honra que implica em seguir fiel aos valores e ideais que compartilhamos e que dão sentido a nossas vidas. E em continuar lutando, até quando Deus me der forças, para fazer avançar a democracia e a igualdade social em nosso país.
Se me permitirem, quero concluir dizendo a vocês, com toda a sinceridade, que, mesmo antes de receber este título tão importante, eu já me sentia em casa em Minas Gerais. Já me sentia em família, entre irmãos.
Muito obrigado".